Um dos temas mais palpitantes atualmente no Direito do Trabalho é a existência ou não de vínculo empregatício entre motoristas de aplicativos de transporte e as empresas que administram as plataformas digitais.
Muito embora seja um assunto tipicamente trabalhista, na medida em que envolve matéria constitucional, acabou alcançando o Supremo Tribunal Federal (STF).
Em alegação, a plataforma Uber afirma que a decisão proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), que reconheceu a existência de vínculo empregatício, viola os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, além de atingir todo o novo modelo de negócios de “economia compartilhada” de trabalho intermediado por plataformas tecnológicas.
Haja vista a complexidade do tema, bem como sua clara importância, o ministro Edson Fachin convocou audiência pública para um aprofundamento da discussão. Durante dois dias, mais de 50 expositores apresentaram informações técnicas e diferentes perspectivas sobre o tema.
Todos aqueles que foram habilitados a participar da audiência pública tiveram que trazer respostas a uma ou mais perguntas formuladas por aquela corte. Uma das perguntas, “curiosamente”, era: “qual o quantitativo de motoristas que contribuem para a previdência social como autônomos?”.
É evidente que essa discussão trabalhista gera reflexos em outros campos do Direito e impacta diretamente a vida de milhões de brasileiros (não só os motoristas, mas também os passageiros). É evidente, também, que há um claro reflexo dessa decisão no campo previdenciário (recolhimento de contribuições para a previdência social). É claro, ainda, que a existência de vínculo empregatício facilitaria o recolhimento dessas contribuições (desconto direto pelo empregador). Contudo, dada obstante, indaga-se: o que essa pergunta tem a ver com o cerne da questão?
A existência ou não de vínculo empregatício em determinada situação concreta deve basear-se na Lei Trabalhista (artigos 2º e 3º da CLT, com uma interpretação mais moderna) e não na facilidade maior ou menor de se obter dinheiro para a previdência social.
Preocupa, portanto, a possibilidade da decisão tomar um caminho tortuoso e se afastar do ponto principal: os motoristas de aplicativo são empregados? Preenchem os requisitos previstos na CLT para tanto? Ou o que de fato importa é o cofre da União?
Talvez falte, aqui, a principal pergunta: o que pretendem os motoristas de aplicativo? Querem ser empregados? Querem trabalhar com subordinação (respondendo às ordens de um chefe)? Querem abrir mão da autonomia na prestação dos serviços (que é exatamente o oposto da subordinação)?
Esses pontos intrigam bastante . Afinal, até quando o Judiciário irá obrigar as partes a seguir um modelo de relação jurídica trabalhista que não interessa a elas?
É evidente que há casos em que o trabalhador é claramente hipossuficiente e com baixíssimo nível cultural e educacional. Nessas situações , não se deve esperar que ele tenha o discernimento necessário para saber as consequências de uma decisão desse tipo. É, portanto, necessária a intervenção do Judiciário, se provocado, reequilibrando a balança.
Mas e quanto aos demais? Aqueles que possuem o discernimento necessário para entender o que querem, bem como as consequências de suas escolhas?
O entendimento, aqui, é que a intervenção judicial deve ser inversamente proporcional ao grau de discernimento do trabalhador.
O fato é que a decisão, seja ela qual for, não pode demorar. Pior do que uma má decisão, é a instabilidade jurídica.
Tendo a urgência da passificação como horizonte: pode ou não pode?
Na Justiça do Trabalho há decisões em ambos os sentidos.
No STF, o ministro Cristiano Zanin, em sede de reclamação constitucional (RCL 63.823), cassou decisão do TST que reconheceu a existência de vínculo empregatício entre um entregador e a plataforma Rappi.
Temos, ainda nesse cenário, vários projetos de lei buscando criar regras trabalhistas para esses trabalhadores e para essas empresas, buscando desenvolver um ecossistema sustentável de negócios
Em 2024, por exemplo, o Governo Federal enviou ao Congresso Nacional um Projeto de Lei Complementar (PLC) que têm por objetivo garantir direitos mínimos para motoristas de aplicativos.
O projeto chama o motorista de “trabalhador autônomo por plataforma”, ou seja, não reconhece o vínculo de emprego. Nada obstante, prevê o recebimento mínimo de R$ 32,10 por hora de trabalho e contribuição ao INSS.
Curiosamente, nessa mesma época, a cidade de Minneapolis, no estado de Minnesota, nos Estados Unidos, aprovou uma lei prevendo um “salário-mínimo” de US$15,57/hora aos motoristas de Uber. Em resposta, a empresa anunciou que iria interromper suas operações..Mas, voltando ao Brasil e ao STF, em modesta opinião, não deve ser reconhecido o vínculo de emprego nesses casos. O mundo mudou. A tecnologia evoluiu. As pessoas pensam diferente. Os trabalhadores pensam diferente. Muitos privilegiam, hoje, o bem-estar, a autonomia e o direito de escolher o que querem.
Foi-se o tempo em que o desejo da maioria dos brasileiros era “trabalhar no Banco do Brasil até a aposentadoria” ou “bater ponto”.
A geração atual busca liberdade e autonomia no trabalho, aspectos que são antagônicos ao formato previsto na CLT.
Até porque, a CLT é da década de 1940 . Então, será que alguém, em sã consciência, acha mesmo que, apesar de todas as mudanças no espírito do tempo, as regras e pensamentos trabalhistas devem permanecer como eram?
Com a resposta, o STF.
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