Multa de trânsito na pandemia: discussão acerca da legalidade das notificações encaminhadas aos infratores após o prazo de 30 dias

Bárbara Fonseca Finardi

Assim que se iniciou a pandemia ocasionada pela Covid-19, visando cumprir as medidas de prevenção à saúde e à segurança e evitar aglomerações (comparecimento de condutores/donos de veículos nos órgãos de trânsito), o CONTRAN (Conselho Nacional de Trânsito) emitiu algumas deliberações interrompendo os prazos de indicação de condutor, defesas/recursos de multas e processos de suspensão/cassação da CNH, além do envio das notificações de autuação e de penalidade de multas de trânsito aos infratores.

Nesse tocante, em junho de 2020, o referido órgão publicou a Resolução n° 782/20, por meio da qual estendeu o prazo de entrega das notificações de autuação, determinando que os órgãos de trânsito apenas registrassem as autuações no sistema, sem enviá-las aos infratores. Posteriormente, em novembro de 2020, foi publicada a Resolução n° 805/2020, pela qual foi determinada a retomada dos prazos de envio das notificações de autuações de trânsito cometidas entre o final de fevereiro e o final de novembro do ano de 2020, sendo estabelecido um cronograma diferenciado para o seu envio. Desse modo, diversas notificações de infrações cometidas em 2020 apenas foram enviadas em 2021.

Ocorre que o Código de Trânsito Brasileiro (artigo 281, parágrafo único, inciso II) estabelece que o órgão responsável pela lavratura do auto de infração deve expedir a notificação de autuação em até 30 dias a contar da data em que foi constatada a infração, sob pena de nulidade. Portanto, as multas oriundas de infrações cometidas em 2020 e apenas encaminhadas (postadas) em 2021, ultrapassaram o prazo legal de 30 dias, acarretando diversos prejuízos aos condutores/donos de veículos perante a ausência de conhecimento de suas possíveis infrações, as quais podem provocar toda sorte de prejuízo ao direito de dirigir.

Esse cenário gerou dúvida sobre a legalidade das Resoluções acima mencionadas e das multas aplicadas, pois o Código de Trânsito Brasileiro é uma Lei Federal e a alteração de seu conteúdo apenas pode ocorrer por Medida Provisória editada pelo Presidente da República ou por outra Lei Federal elaborada pelo Congresso Nacional. Embora o CONTRAN seja um órgão da União, sua competência limita-se à regulamentação e complementação dos temas tratados no Código de Trânsito Brasileiro, sendo vedado que suas Resoluções, que são atos infralegais, se sobreponham ao conteúdo das Leis Federais.

Emerge, então, o entendimento de que, ao não enviar as notificações das autuações nos termos Código de Trânsito Brasileiro, o CONTRAN incorreu em erro e falha passíveis de arquivamento e anulação do auto de infração, o que impossibilita o arbitramento de multa.

Referido entendimento foi utilizado como base de julgamento pela 1ª Vara do Juizado Especial da Fazenda Pública de São Paulo, que concedeu liminar para suspender uma infração de trânsito ocorrida em 19/05/2020, cuja notificação apenas foi expedida em 18/05/2021. A decisão judicial apontou existência de dúvida quanto a legalidade da Resolução n° 805/2020, por tratar-se de medida que altera prazo de Lei, inclusive com efeitos retroativos às penalidades cometida desde 26/02/2020.

Nesse mesmo sentido, a 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, sob o argumento de ausência de cumprimento do prazo previsto no Código de Trânsito Brasileiro, deferiu o pedido de anulação de 5 multas de trânsito cujas notificações não foram expedidas dentro do prazo legal de 30 dias.

Diante disso, as Resoluções do CONTRAN podem ser consideradas arbitrárias e ilícitas e, por conseguinte, as multas de trânsito recebidas após o prazo de 30 dias podem ser consideradas anuláveis mediante sua falta de legalidade, uma vez que a estipulação contida em Lei Federal (Código de Trânsito Brasileiro) não pode ser ignorada ou alterada por decisões administrativas ou atos infralegais (Resoluções do CONTRAN).

Com base no acima exposto, entende-se que os infratores podem apresentar defesa e recurso administrativos alegando nulidade da multa por não atender o prazo de 30 dias. Na hipótese de não provimento, há a possibilidade de recorrer ao Judiciário objetivando decisão favorável ao condutor/dono do veículo.

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