Possibilidade de Penhora de Bem de Família de Fiador de Contrato de Locação Comercial

17/03/2022

Bárbara Fonseca Finardi

Visando assegurar os direitos fundamentais à moradia e à dignidade da pessoa humana, a Lei n° 8.009/90 estipulou a impenhorabilidade do bem família, o qual é caracterizado como um único imóvel próprio da entidade familiar que é utilizado como moradia. Assim, via de regra, o imóvel em que reside a família não pode ser penhorado para pagamento de dívida de qualquer natureza, salvo nas exceções previstas nos incisos do artigo 3° da referida lei, estando, dentre elas, a possibilidade de penhora de bem de família nos casos em que tal bem é dado como garantia pelo fiador de contrato de locação.

Ocorre que, após interposição de recurso contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que manteve penhora sobre bem de família de fiador de contrato de locação comercial, foi iniciada discussão jurídica acerca da constitucionalidade desse tipo de penhora. Assim, o Supremo Tribunal Federal, por meio do julgamento de Recurso Extraordinário (RE 1307334) com repercussão geral (Tema 1127), passou a analisar a questão. O julgamento teve início no segundo semestre de 2021 e término em 08/03/2022, data na qual, por 7 votos a 4, foi fixada a tese de constitucionalidade da penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação comercial.

Prevaleceu o entendimento do Relator, Ministro Alexandre de Moraes, segundo o qual a permissão da penhora não viola o direito à moradia, pois o fiador que dá seu bem de família como garantia o faz de livre e espontânea vontade, possuindo conhecimento sobre os riscos assumidos em caso de inadimplência contratual. Ademais, decidir pela impenhorabilidade desestimularia a atividade empresarial de pequenos empreendedores, eis que, com base nos documentos carreados aos autos do caso, mais de 90% dos fiadores são pessoas físicas que figuram como fiadores de suas próprias empresas justamente para fugirem das formas mais gravosas de fiança, as quais geram empecilhos ao desenvolvimento comercial e consequente descapitalização do mercado.

O Ministro Relator também ressaltou que a Lei n° 8.009/90, que trata sobre o tema, excepciona o instituto da fiança sem fazer distinção entre a garantia dada à locação comercial e a dada à locação residencial, portanto, criar distinção entre as consequências que abrangem os fiadores das mencionadas modalidades de locação fere os princípios da isonomia, da boa-fé objetiva e da livre iniciativa, não podendo o Estado agir de forma paternal para afastar as implicações da execução voltada ao fiador.

No ano passado, os votos dos Ministros Nunes Marques, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli acompanharam o entendimento do Ministro Relator e, na última sessão ocorrida em 08/03/2022, os Ministros Gilmar Mendes, André Mendonça e Luiz Fux também seguiram o entendimento acima exposto.

Os votos divergentes foram apresentados pelos Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Carmen Lúcia e Ricardo Lewandowski, os quais entendem que permitir a penhora em discussão afronta diretamente os direitos à moradia e à dignidade da pessoa humana, isso porque a concretização dos aludidos direitos ocorre mediante a proteção do bem de família, o que assegura que as famílias tenham um lugar para morar e, por conseguinte, usufruam de condições existenciais mínimas para uma vida saudável e digna.

Para os referidos Ministros, o direito à moradia, por ser um direito fundamental previsto na Constituição Federal, deve prevalecer sobre o princípio da livre iniciativa, razão pela qual entendem que a penhora de bem de família de fiador de locação comercial é indevida e desproporcional, ao passo em que podem ser utilizadas outras formas de garantia do adimplemento contratual, tais como o seguro fiança e a caução, que são menos onerosas ao devedor e não afrontam os direitos fundamentais retro aventados.

Ao final do julgamento, os 4 votos divergentes foram vencidos pelo voto do Ministro Relator e pelos votos dos outros 6 Ministros que o acompanharam, restando superada a discussão para determinar que é constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja comercial ou residencial.

Ao visitar nosso site, registramos dados como frequência de uso, data e hora de acesso, quando você vê ou clica em um conteúdo específico e suas preferências de conteúdo. We are committed to protecting your privacy and ensuring your data is handled in compliance with the General Data Protection Regulation (GDPR).