AS NOVAS MEDIDAS PROVISÓRIAS SOBRE MATÉRIA TRABALHISTA – ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE AS MP´S 927, 936, 1.045, 1.046 E LEI 14.020/2020

Posted by Ana

Agostinho Zechin Pereira

 

No ano de 2020, a Governo Federal publicou as Medidas Provisórias 927 e 936, medidas essas que trouxeram novas regras trabalhistas para enfrentamento da pandemia que começou a assolar o mundo.

A MP 927 tratou de vários assuntos, entre eles, o teletrabalho; a antecipação de férias e feriados; o banco de horas etc.

O seu desfecho, contudo, foi lamentável. A MP 927 não chegou a ser apreciada pelo Congresso Nacional há tempo e teve seu prazo de vigência encerrado no dia 19 de julho de 2020.

Já a MP 936, que tratava da redução de jornada e salários e da suspensão temporária do contrato de trabalho, foi apreciada e convertida na Lei 14.020/2020.

Pois bem. No dia de hoje foram publicadas duas Medidas Provisórias (MP 1.045 e 1.046) que são, em sua essência, a retomada daquelas duas MP´s, a 927 e a 936 (Lei 14.020).

Passamos então a abordar as principais diferenças entre (i) a MP 1.045 e a MP 936 (Lei 14.020) e (ii) a MP 1.046 e a MP 927.

 

  1. MP 1.045 x MP 936 (Lei 14.020)

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que o critério de comparação aqui adotado leva em consideração as alterações sofridas na MP 936 quando de sua conversão na Lei 14.020, já que, no processo de conversão, alguns dispositivos da MP foram alterados e houve também a criação de novas regras, como, por exemplo, a estabilidade diferenciada da gestante.

A nova MP excluiu o trabalhador intermitente do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, algo que a Lei 14.020 expressamente contemplava.

O tempo máximo de redução de jornada e salários e suspensão contratual, ainda que sucessivos, agora não poderá ser superior a 120 dias, sendo que o termo final do acordo de redução proporcional de jornada e de salário não poderá ultrapassar o último dia do período estabelecido de 120 dias previsto no art. 2º da MP.

É possível, contudo, que haja prorrogação desse prazo, por ato do Poder Executivo.

Com relação à garantia de emprego, a MP 1.045 prevê que os prazos da garantia provisória no emprego decorrente dos acordos de redução proporcional de jornada e de salário ou de suspensão de contrato de trabalho de que trata o art. 10 da Lei nº 14.020, de 6 de julho de 2020, ficarão suspensos durante o recebimento do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e somente retomarão a sua contagem após o encerramento do período da garantia de emprego de que trata este artigo.

A Lei 14.020 prevê que a estabilidade não se aplica às hipóteses de pedido de demissão ou dispensa por justa causa do empregado. A nova MP acrescentou, a esse rol, a extinção do contrato de trabalho por acordo, nos termos do disposto no art. 484-A da CLT.

Com relação à possibilidade de negociação das medidas de redução de jornada e salário e suspensão contratual diretamente com o trabalhador, a nova MP agora prevê que é possível tal negociação direta com empregados que recebam salário igual ou inferior a R$ 3.300,00 (três mil e trezentos reais) ou possuam diploma de nível superior que percebam salário mensal igual ou superior a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

Na regra antiga da MP 936 (Lei 14.020), havia uma distinção de faixa salarial dependendo da receita bruta auferida pelo empregador, o que não se repetiu.

A MP prevê expressamente que as medidas de redução de jornada e salário e suspensão contratual aplicam-se apenas aos contratos de trabalho já celebrados até a data de publicação da Medida Provisória, ou seja, 28/04/2021.

Também prevê que o trabalhador que receber indevidamente parcela do Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda estará sujeito à compensação automática com eventuais parcelas devidas de Benefício Emergencial referentes ao mesmo acordo ou a acordos diversos ou com futuras parcelas de abono salarial de que trata a Lei nº 7.998, de 1990, ou de seguro-desemprego a que tiver direito, na forma prevista no art. 25-A da Lei nº 7.998, de 1990, conforme estabelecido em ato do Ministério da Economia.

Outra novidade da MP é a suspensão, por 180 dias, a partir de 28/04/2021, dos prazos processuais para apresentação de defesa e recurso no âmbito de processos administrativos originados a partir de autos de infração trabalhistas e notificações de débito de FGTS, bem como dos respectivos prazos prescricionais. Exclui-se dessa suspensão os processos administrativos que tramitam em meio eletrônico.

A MP não repetiu algumas disposições da lei que tratavam expressamente do estado de calamidade pública, já que este, ao menos de acordo com a previsão normativa, já se exauriu.

Exemplo disso é o que consta do art. 17 da Lei 14.020:

Art. 17. Durante o estado de calamidade pública de que trata o art. 1º desta Lei:

V – a dispensa sem justa causa do empregado pessoa com deficiência será vedada.

Este é um tema extremamente polêmico.

A regra que impede a dispensa de PCD´s vigora, por expressa disposição legal, pelo período em que foi decretado estado de calamidade pública, ou seja, até 31/12/2020.

 Houve, contudo, uma decisão liminar do Supremo Tribunal Federal que tem sido objeto de questionamentos, no sentido de terem sido ou não restabelecidas as regras previstas na Lei 14.020/20.

 O pedido de tutela de urgência, que foi deferido pelo Ministro Lewandowski, tem como objeto “estender a vigência dos dispositivos contidos nos arts. 3º ao 3º-J da Lei nº 13.979/2020 (aqueles que cuidam efetivamente de disposições de trato médico e sanitário de modo mais direto)”.

Na decisão proferida liminarmente, referido Ministro deferiu “parcialmente a cautelar requerida, ad referendum do Plenário desta Suprema Corte, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 8° da Lei n° 13.979/2020, com a redação dada pela Lei 14.035/2020, a fim de excluir de seu âmbito de aplicação as medidas extraordinárias previstas nos arts. 3°, 3°-A, 3°-B, 3°-C, 3°-D, 3°-E, 3°-F, 3°-G, 3°-H e 3°-J, inclusive dos respectivos parágrafos, incisos e alíneas”.

Percebe-se, assim, que a decisão se limita aos dispositivos que, repita-se, cuidam efetivamente de disposições de trato médico e sanitário de modo mais direto.

Não é este o caso da Lei 14.020, em especial do disposto no inciso V do art. 17, que veda a dispensa sem justa causa do empregado pessoa com deficiência.

Assim, entendo que a decisão liminar do STF não tem o condão de restabelecer os dispositivos da Lei 14.020/2020, e, se a vedação com relação à dispensa não foi repetida na MP 1.045, esta é permitida.

De qualquer forma, permanecem válidas as regras anteriores, em especial aquela prevista no § 1º do art. 93 da Lei 8.213/91: “A dispensa de pessoa com deficiência ou de beneficiário reabilitado da Previdência Social ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias e a dispensa imotivada em contrato por prazo indeterminado somente poderão ocorrer após a contratação de outro trabalhador com deficiência ou beneficiário reabilitado da Previdência Social”, bem como outras regras previstas em acordos e convenções coletivos de trabalho aplicáveis à essa empresa.

 

  1. MP 1.046 x MP 927

As medidas trabalhistas previstas na MP 1.046 poderão ser adotadas durante o prazo de cento e vinte dias, contado da data de sua publicação.

TELETRABALHO

A MP 927 dizia que “O tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo”.

A MP 1.046 diz que “O tempo de uso de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura necessária, assim como de softwares, de ferramentas digitais ou de aplicações de internet utilizados para o teletrabalho fora da jornada de trabalho normal do empregado, não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou em acordo ou convenção coletiva de trabalho”.

O que se tem aqui é uma ampliação clara com relação aos equipamentos, cuja utilização, não é computada como horas trabalhadas. Esse é um ponto que já vinha sendo questionado no Judiciário e fatalmente será ainda mais agora, com essa ampliação.

FÉRIAS

A nova MP repetiu a regra prevista na antiga, ou seja, “Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho, os valores das férias, individuais ou coletivas, ainda não adimplidos, serão pagos juntamente com as verbas rescisórias devidas”. Acrescentou, contudo, uma nova regra: “As férias antecipadas gozadas cujo período não tenha sido adquirido serão descontadas das verbas rescisórias devidas ao empregado no caso de pedido de demissão”.

Essa possibilidade de desconto, apesar de parecer óbvia, até para se evitar o enriquecimento sem causa do trabalhador, não estava prevista na antiga MP.

Com relação à férias coletivas, permitiu-se expressamente, agora, a concessão por prazo superior a trinta dias.

FERIADOS

A MP 927 dizia que apenas os feriados não religiosos poderiam ser antecipados. Já os feriados religiosos dependeriam da concordância do empregado, mediante manifestação em acordo individual escrito.

A MP 1.046 prevê agora que cabe ao empregador decidir pela antecipação de todos os feriados, inclusive os religiosos.

BANCO DE HORAS

A nova MP prevê agora que a compensação relativa ao banco de horas para recuperação do período interrompido poderá ser realizada aos finais de semana, o que não havia sido previsto na MP anterior. De qualquer forma, o trabalho aos domingos dependerá, por óbvio, da existência ou não de autorização para o trabalho aos domingos (art. 68 da CLT).

Outra novidade é que as empresas que desempenham atividades essenciais poderão, durante o prazo de 120 dias, constituir regime especial de compensação de jornada por meio de banco de horas independentemente da interrupção de suas atividades.

SUSPENSÃO DE EXIGÊNCIAS ADMINISTRATIVAS EM SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO

A MP 927 suspendeu, durante o estado de calamidade pública, a realização dos exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares, exceto dos exames demissionais.

A MP 1.046, por sua vez, suspende, durante 120 dias, a obrigatoriedade de realização desses exames apenas para os trabalhadores que estejam em regime de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância.

Manteve a obrigatoriedade de realização de exames ocupacionais e de treinamentos periódicos aos trabalhadores da área de saúde e das áreas auxiliares em efetivo exercício em ambiente hospitalar, sendo que estes terão prioridade para submissão a testes de identificação do coronavírus (covid-19) previstos em normas de segurança e saúde no trabalho ou em regulamentação internacional.

Os exames que foram suspensos deverão ser realizados no prazo de 120 dias, contados da data de encerramento do período de 120 dias previsto no art. 1º da MP 1.046.

Já os exames médicos ocupacionais periódicos dos trabalhadores em atividade presencial vencidos durante o prazo de 120 dias previsto na MP, poderão ser realizados no prazo de até 180 dias, contado da data de seu vencimento.

A MP 927 previu que, durante o estado de calamidade pública, ficaria suspensa a obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho, sendo que tais treinamentos deveriam ser realizados no prazo de noventa dias, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.

A MP 1.046 igualmente opta por suspender, agora pelo prazo de 60 dias, contado da data de sua publicação, a obrigatoriedade de realização de treinamentos periódicos e eventuais dos atuais empregados, previstos em normas regulamentadoras de segurança e saúde no trabalho, sendo que tais treinamentos deverão ser realizados no prazo de 180 dias, contado da data de encerramento do período de 120 dias que trata o art. 1º da MP.

Tal qual previa a antiga MP, a nova também permite que os treinamentos sejam realizados na modalidade de ensino a distância e caberá ao empregador observar os conteúdos práticos, de modo a garantir que as atividades sejam executadas com segurança.

Com relação à CIPA, a MP 927 previa que as comissões internas de prevenção de acidentes poderiam ser mantidas até o encerramento do estado de calamidade pública e os processos eleitorais em curso poderiam ser suspensos.

A nova MP autoriza a realização de reuniões das comissões internas de prevenção de acidentes, inclusive aquelas destinadas a processos eleitorais, de maneira inteiramente remota, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação.

Resta claro, portanto, que não há mais a possibilidade de suspensão do processo eleitoral da CIPA.

RECOLHIMENTO DO FGTS

Manteve-se, na nova MP, a suspenção de exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, com a óbvia alteração de datas.

Agora, a suspensão atinge as competências de abril, maio, junho e julho de 2021, com vencimento em maio, junho, julho e agosto de 2021, respectivamente.

Os depósitos deverão ser realizados em até quatro parcelas mensais, com vencimento a partir de setembro de 2021, na data do recolhimento mensal devido.

OUTRAS DISPOSIÇÕES EM MATÉRIA TRABALHISTA 

A nova MP não repetiu diversas passagens polêmicas previstas na MP 927, algumas inclusive questionadas no STF. Entre elas:

  1. Os casos de contaminação pelo coronavírus (covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal;
  2. Os acordos e as convenções coletivos vencidos ou vincendos, no prazo de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor desta Medida Provisória, poderão ser prorrogados, a critério do empregador, pelo prazo de noventa dias, após o termo final deste prazo;
  3. Durante o período de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor desta Medida Provisória, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora na maioria dos casos.

Trouxe, contudo, algumas novidades. Entre elas:

  1. O curso ou o programa de qualificação profissional de que trata o art. 476-A da CLT, poderá ser oferecido pelo empregador exclusivamente na modalidade não presencial e terá duração de, no mínimo, um mês e, no máximo, três meses;
  2. Fica permitida a utilização de meios eletrônicos para cumprimento dos requisitos formais previstos no Título VI da CLT (ACORDOS E CONVENÇÕES COLETIVOS DE TRABALHO), inclusive para convocação, deliberação, decisão, formalização e publicidade de convenção ou de acordo coletivo de trabalho.

Em síntese, essas são as novidades trazidas pelas MP´s 1.045 e 1.046, recém editadas. Como as regras ali previstas tem validade por 120 dias, não deveremos ter problemas com relação à morosidade do Legislativo em apreciá-las.

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